quarta-feira, agosto 17, 2011

A porta, do coração, entre aberta.



-Qual foi a sua última vez?
-Como assim a última vez?
-É, assim, a última vez?
-Você falando assim eu não sei dizer... talvez tenha sido há tempos, talvez tenha sido ontem. Agora me perdi, não sei dizer.
-Mas você não se lembra de como foi?
-Não. Fiquei meio encabulada agora...
-Mas você não lembra do cheiro?
-Falando assim, acho que consigo lembrar melhor... com doçura é mais fácil de lembrar.
-Então, quando foi a última vez?
-Que saco. Já disse que não sei. Mas lembro de tudo. De cada detalhe. Do cabelo, das pernas, dos olhos. Ah, como eu me lembro do olhos. Meio melancólicos, bonitos, castanhos, até tristes... mas calmos.
-Você lembra de como foi para ela?
-Não. Nem sei se foi pra ela como foi pra mim... Não deve ter sido. Você sabe das minhas esquinas.
-É. Eu sei. Você devia beber conhaque e virar poeta.
-Eu bem queria. Talvez e conseguisse te contar, se eu fosse poeta...
-Você consegue me contar... faz um esforço.
-Eu lembro que era quente. Que não tinha esforço, era fácil, pra mim. Era suave, mas era intenso. E tinha aquela coisa que eu gosto, bem brasileira, sabe? Até se perder...
-E se perdeu? Mas durou?
-Se perdeu ou se ficou eu não sei... e pode ser que não tenha acabado, que dure até hoje. Mas pode ser que já tenha acabado também. Pode ser que não acabe nunca... Pode ser da vida acostumar.
-E doeu?
-Não... já aconteceu outras vezes... é preciso estar atento e forte.
-E você sabe me ensinar?
-Não sei nem pra mim. Dessa vez não doeu. Pode ser da próxima doer. Não sei bem como faz, não tem fórmula. É só ir sentido... sabe?
-Sei... eu acho. Mas, falando assim, parece que ainda acontece... Você não sabe quanto tempo faz? Ou quantas vezes foram?
-Ainda acontece. Acontece sempre... A possibilidade de acontecer surge quando eu levanto... e está comigo até quando durmo. Porque, dormindo, posso sonhar. Não sei quanto tempo faz, pode ter sido há vinte minutos atrás, pode ter sido simples e eu não saiba te dizer se foi mesmo. Foram milhares de vezes e, espero, que continue sendo. Todos os dias...
-Parece ter sido difícil. Mas parece ter sido bom. Se apaixonar é bom?
-É muito. É como sentir uma cachoeira toda dentro de si...
-Eu quero.
-Eu tenho, em mim, todo tempo. Porque eu sou meio Drummond, sabe? “Tenho apenas duas mãos e todo sentimento do mundo”.

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