quarta-feira, maio 20, 2009

da fechadura


Ainda sou o menino, o anjo pornográfico do Nelson Rodrigues...
e me pego vendo pelo buraco da fechadura o mundo lá fora.
É grande, bem grande. Vejo gente passando a todo instante.

E de vez em quando pára alguém. Olha de volta pela fechadura,
e se vai... e tem quem não leve nada quando vai embora.
Mas tem gente que abre a porta... pega um narciso meu e se vai.

Eu gosto. Levam uma coisa minha, cativei-os... e cuidaria deles.
E por mais que a flor seja jogada fora... o perfume fica nas mãos.
Guardam o que não pode ser esquecido... sem saber, é meu.

E há quem entre porta a dentro. Instala-se e senta comigo.
E olha junto comigo o mundo... e segura as flores no colo.
Desses gosto ainda mais. Percebem que eu não sou só um menino.
(ou seriam eles meninos também?)

E, pra não deixar ninguém de fora, tem quem me pegue pelas mãos...
me convide a ver o mundo sem o banquinho em que me sento.
Eu não levo as flores comigo. A pessoa me leva. Me cativou e cuida de mim.

Paraísos perfeitos. Naturalmente não sento no banquinho depois disso.
Conheci o grandioso mundo colorido, mas volto pros narcisos.
Tem sentimentos... e quem sentou comigo. Estará sempre ali,

comigo no banco. Mas toda vez que eu vou ver o mundo, os levo...
Pra saberem de onde eu colhi minhas flores amarelas e brancas...
Não sofro por ninguém. As vezes, gosto do banquinho solitário.

Mas é só quando o mundo chove e fica cinza. Só assim.

Um comentário:

Ste Goulart disse...

Encheu de água os meus olhos... (nem sei que valor isso tem, vindo de mim né)

Acho que todo mundo tem o seu banquinho... Mas alguns não têm a sorte de encontrar os meninos que não têm pressa e se permitem olhar o mundo com a porta aberta. Muitos nem seguram as flores...

Leminski escreveu:

"meus amigos
quando me dão a mão
sempre deixam
outra coisa

presença
olhar
lembrança calor

meus amigos
quando me dão
deixam na minha
a sua mão"

Mas você expressou melhor, mesmo 'não sabendo argumentar' :)