domingo, fevereiro 21, 2010

A flor e a náusea, Drummond


"(...) Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
(...)
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio."


E existe esperança. Sempre.
Existirá uma flor, eu sei.
Uma flor... um sol, eu sou.

Existirão palavras ainda
de amor e de fé por todos os cantos.
E hão de se espalhar...

O amor e a fé... num fim,
belo e incerto. Existirá.
Flores e nomes que vão,
eu acredito, balançar o mundo.

E quem sabe... uma flor, eu sou?
Ainda vai existir jeito de iludir a polícia,
e furar o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

Eu sei.
Drummond sabe.

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